Curadoria

Marcio Blanco

Depois de 14 anos fazendo a curadoria do Visões Periféricas ou acompanhando de perto os seus debates, salta aos olhos a transformação no conjunto de filmes que, à cada ano, é selecionado entre os cerca de 600 filmes inscritos. Em 2007, a largada do festival foi marcada pelas facilidades que o digital trazia para a produção audiovisual e o momento político positivo que o país vivia. Imediatamente, surgiu um Brasil plural, com sotaques, temas, histórias e lugares que, até então, não transitavam por festivais de cinema. Nesses 14 anos, acompanhamos essa geração de realizadores que foi se multiplicando, se encontrando em outros festivais influenciados pela curadoria pioneira do Visões. Uma geração que amadureceu em seu repertório audiovisual, opções estéticas e políticas.

Em 2021 percebemos no conjunto de filmes selecionados o gosto pela experimentação formal ao abordar temas que, até bem pouco tempo, eram tratados apenas por meio de formas cinematográficas mais convencionais: o uso exclusivo de depoimentos, o recurso aos especialistas, o "povo fala", a denúncia. Essa percepção não exclui a importância dos filmes que lançam mão desses recursos mas notamos que a oralidade não é mais somente marcada pelo simples desejo de "dar voz" ao outro.  Essa oralidade é travessada por outras formas de relacionar imagem e som que a internet trouxe. O acesso à mais obras audiovisuais, a possibilidade de falar abertamente sem grandes mediações (é claro, ainda existe o algoritmo), a cultura do meme, do remix, tudo isso fez com que as imagens fossem afetadas por outra forma de enunciar. É nisso que reside a importância do Visões Periféricas. Há 14 anos, quando o festival teve início, a curadoria se tornou eixo central de enunciação das múltiplas periferias brasileiras. Não olhávamos somente para os filmes individualmente mas para aquilo que poderia surgir entre eles. Certamente, esse é um trabalho inacabado, sempre por fazer, um desafio renovado por cada edição.

Janaína Damasceno

Para quem cresceu na Cohab, como eu, brincando em terreno baldio, dividindo merenda, comendo em duralex, fazer a curadoria de um Festival como o Visões Periféricas é ao mesmo tempo voltar para casa e contemplar o futuro. É me ver pequena, há 40 anos atrás, projetando um futuro onde o transbordamento das nossas imagens fosse possível... o que não era possível. Mas hoje eu pude me imaginar assim. Porque os diversos realizadores que se inscreveram no Visões, criaram diversos destinos possíveis para a minha eu menina habitar neste mundo. Da abertura de filme mais bonita do cinema brasileiro nos últimos tempos como a de Joãosinho da Goméa ao fantasmagórico “A Morte Branca do Feiticeiro Negro”, pude me ver não representada, mas imaginada, desejada, multiplicada. Denise Ferreira da Silva, defendia em sua tese, que as novelas de TV eram menos representação do real e mais projeção, desejo. Desejo de brancura. Nos filmes do Visões, os olhares da periferia projetam nossos corações ao centro. Não representam. Imaginam, desejam, exigem a nossa presença/ existência. Propõem novos mundos possíveis, novas agências, novos devires. Porque é tudo nosso.

Kamilla Medeiros

Assistir aos filmes, pensar sobre eles e criar pontos em comum e fora do comum numa curadoria já é um trabalho digno de atenção e de cuidado. Agora, exercitar tudo isso durante uma pandemia se mostrou um desafio triplo. Sim, triplo, conosco (o Festival), com os filmes (equipes) e com o público (vocês que também nos lêem). Uma parte dos inscritos que recebemos ainda refletia aquele mundo que já não nos é mais possível viver, e, em outra medida, houveram os inscritos que tatearam as suas histórias em plena quarentena. Em um ano o nosso fazer cinema mudou e, igualmente, o modo como os festivais nos alcançaram, das mais diversas formas de exibições pela internet, pela televisão. Uma curadoria de passagem, de uma transição entre ver gente sem máscaras e com máscaras, fora e dentro de casa, mas, ainda sim, uma maioria de filmes que nos faz sentir saudades do contato e da liberdade que tínhamos. Trata-se, digamos, de uma espécie de “retroexpectativa”. 

Nesta edição online do Visões Periféricas, nossa 14ª edição, em respeito a quem se lança a fazer dos filmes seu trabalho e também extensão do corpo, gostaríamos de apresentar uma programação que conta sobre gente que teima em viver, sobre um Brasil percebido pelos cantos dos nossos olhos. Apresentamos cinco mostras, dessas quatro em competitiva, “Fronteiras Imaginárias”, “Da Gema”, “Visorama” e “Panorâmica”, e mais uma, essa especial e fora de competição, reunindo filmes que consideramos dos mais significativos a serem exibidos e premiados no ano de 2020. Como já mencionado antes, esses filmes nos falam de um Brasil antes e depois da pandemia, falam de memórias, de vivências e de expectativas.