Apresentação

Abertura

Encerramento

15 anos de Visões Periféricas 

Uma edição comemorativa do Visões Periféricas, como a deste ano, traz consigo o desejo de revisitar uma trajetória que completa 15 anos em 2022. As periferias brasileiras frequentam há muito tempo as telas do cinema brasileiro.  Alguns pontos desse percurso trazem inovações na forma de representação que coincidem com mudanças políticas e tecnológicas. Nos anos 60, o Cinema Novo não foi apenas um movimento de jovens cineastas de classe média em busca de imagens inéditas sobre o Brasil. Ele também foi o resultado de disputas ideológicas e adoção de equipamentos mais leves de captação de imagem e som. O clima de redemocratização do início dos anos 80 e a chegada da tecnologia do VHS no país se juntaram para abrir caminho para as primeiras iniciativas de vídeo comunitário. Aqueles que, até então, eram apenas objetos de representação davam seus primeiros passo na produção de imagens sobre a periferia.

O início dos anos 2000 vê a rápida popularização da tecnologia digital e a chegada ao poder de um governo popular. A disseminação de lan houses é um fenômeno que se espalha pelas favelas de todo o país e as Redes Sociais passam a abrigar imagens produzidas com celulares por seus moradores. Surgem, em diversos lugares do país, projetos que utilizam o audiovisual como instrumento de desenvolvimento social. É neste contexto que surge o Visões Periféricas,  primeiro festival no país a dedicar inteiramente sua curadoria e programação a filmes produzidos por realizadores das periferias. 

Nesses 15 anos o Visões foi se consolidando aos poucos como um lugar de referência dessa produção que foi crescendo em volume e se espalhando por todo o país. No início do Festival, os filmes estavam mais vinculados à Organizações do Terceiro Setor mas, com o passar dos anos, eles passaram a ser produzidos também em coletivos de audiovisual sem nenhum vínculo institucional formal.  A lei de cotas de 2012 também foi um importante fator para que brasileiros oriundos de escolas públicas, de baixa renda, negros, pardos e índios, ingressassem em cursos de graduação de cinema que até então eram predominantemente ocupados por alunos brancos da classe média.

Em meados da segunda década, a visibilidade alcançada pelo festival após anos de atividade regular começa a influenciar o surgimento de outros festivais de cinema pelo pais com uma proposta curatorial semelhante. O Visões também contribui para projetar realizadores selecionados e premiados. É perceptível a receptividade de outros festivais brasileiros tradicionais, e até internacionais, à essa produção. O cinema feito nas periferias deixa de ser um fenômeno localizado em um Festival e passa a ser reconhecido como traço curatorial em um circuito mais amplo. 

Pelo seu pioneirismo e constância, o Visões Periféricas segue atuando como plataforma de lançamento, onde muitos filmes começam sua trajetória. Assim, o curta-metragem ainda se mantém como o principal formato, aquele que fornece mais filmes entre os cerca de 600 filmes inscritos todos os anos. Hoje, um dos principais desafios para os realizadores que vem das periferias é a sua inserção e permanência profissional no mercado audiovisual. Em 2016, uma pesquisa interna feita pela Ancine constatou a baixa participação de diretoras mulheres e diretores negros nos projetos financiados pela Agência. Nos últimos anos, o players de mercado entenderam a necessidade de absorver em seus quadros profissionais que vem das periferias, principalmente negros e negras, mas ainda existe muito a ser feito. Esse avanço não poder ser visto como um gesto paternalista. Ele é fruto de pressões sociais que se tornaram condição para o próprio desenvolvimento da indústria audiovisual. 

Para atender um mercado competitivo e um público consumidor exigente tornou-se indispensável produzir narrativas que espelhem a diversidade social, racial e de gênero do país. Por isso, em 2018, o Visões decide criar o Visões Lab, o primeiro laboratório dedicado ao desenvolvimento de projetos audiovisuais produzidos nas periferias brasileiras, convidando players para rodadas de negócio e Pitching.  O ótimo resultado e repercussão da iniciativa nos estimulou a dar continuidade, desta vez apostando no desenvolvimento de projetos de ficção, gênero que se mostra fundamental para disputar as narrativas acerca das periferias.

Esperamos que 2022 seja um ponto de virada econômica para o audiovisual brasileiro, penalizado pelas adversidades políticas de um governo federal avesso ao setor e pelos últimos dois anos de pandemia. Apesar deste refluxo ter freado a inserção de uma geração de realizadores no mercado, filmes continuaram a ser feitos nas periferias.  Uma prova de que não há como voltar atrás. O desenvolvimento social e econômico do país passa necessariamente pela democratização da produção de imagens e sons. 

Marcio Blanco
Idealizador e coordenador geral do Festival Visões Periféricas
Fevereiro de 2022

 

 

Debate do filme Direito de Sonhar com a diretora Theresa Jessouroun e convidados