Homenagem

Diretor Homenageado : Takumã Kuikuro

Os (im)possíveis cósmicos: Mostra-homenagem a Takumã Kuikuro e à Kaitsu Filmes Produções - Coletivo Kuikuro

Takumã, cineasta da etnia Kuikuro, é um dos realizadores indígenas mais importantes da já vasta trajetória recente do que convencionamos nomear Cinema Indígena no Brasil. Reconhecido internacionalmente, Takumã cresceu na Aldeia Ipatse, localizada na Reserva Indígena do Xingu, em Mato Grosso, e, com apenas 18 anos, foi apresentado ao fazer cinematográfico através do projeto Vídeo nas Aldeias, coordenado por Vincent Carelli; programa de formação de jovens cineastas indígenas, com mais de 40 anos de atuação em diversos territórios ameríndios. Após as primeiras oficinas de capacitação técnica, Takumã demonstrava sensibilidade sofisticada para a direção cinematográfica e seus primeiros curtas rapidamente causaram impactos nas mais variadas curadorias de festivais nacionais e internacionais.

Íntimo da câmera-na-mão, o realizador faz de sua imersão em rituais e procedimentos xamânicos empenhados por seus parentes Kuikuro um convite cosmológico aos(às) espectadores(as) que experimentam uma abertura política e sensível a uma rede complexa de agentes que são convocados pelos filmes. As mulheres cantam, os rios são vivos, a Lua menstrua, os velhos ensinam, as mandiocas dançam e o pequi é território.

Com o passar do tempo, mais jovens da etnia foram fisgados pelas magias do cinema, e, após uma série de processos formativos, consolidaram a Kaitsu Filmes Produções, um coletivo de realizadores Kuikuro, que tem atuado não apenas na produção cinematográfica, mas também na realização de oficinas direcionadas a outros povos indígenas e na organização de mostras e festivais de cinema originário.

Ao nos depararmos com as obras de Takumã e da Kaitsu, é inegável que um outro mundo se abre. Somos, por assim dizer, atropelados por um rebanho de queixadas, mas não morremos; muito pelo contrário, encontramos na diferença e na alteridade que está na imagem a possibilidade de arejarmos os pulmões com novos ares, de construirmos juntos caminhos para mundos que não se destruam.

E para os que, ainda ingênuos, acreditam que cineastas indígenas filmam apenas seus temas e contextos específicos, o coletivo Kuikuro, há quase uma década, tem produzido etnografias sobre nós, brancos, colocando diante das telas um pensamento crítico e antropológico, para que possamos ver o que não vemos em nossos espelhos, já que estamos cegos pela colonialidade narcísica das grandes cidades.

Em um momento alarmante de ataques aos povos originários e de grave crise sanitária entre muitos grupos étnicos, a cinematografia Kuikuro se faz proeminente para nos dar a ver a potência poética e estética daqueles que vivem em indissociável conexão com o cosmos, e que não se esqueceram de que o encantamento é a força necessária para evitarmos o genocídio dos diferentes e a devastação daquilo que chamamos planeta Terra.

Seus filmes têm de serem vistos e urgentemente. Quem sabe assim, tamanha beleza cósmica nos atravesse para podermos experimentar, nas salas de cinema, as feridas abertas pelas suas imagens-flecha, pois, talvez sangrando, olhemos para a ancestralidade do futuro pintados de jenipapo e urucum. Por mais indígenas munidos de suas câmeras, por nenhuma árvore a menos na Amazônia, por todas as pedras que roncam, por mais encantados nos visitando, por uma política das imagens, com a qual aprendamos que é do (in)visível cosmológico que virão outros cinemas, outros (im)possíveis e novos mundos compartilháveis.

Iulik Lomba de Farias
Cineasta e antropólogo. Doutorando em Cinema UFF, mestre em Antropologia UFGD, bacharel em Cinema UFF.

Takumã Kuikuro