Homenagem

Linnecessária!

Nesta 17º edição, o Festival Visões Periféricas homenageia o trabalho da cantora, compositora, atriz e diretora Linn da Quebrada.

Foi mais para viver do ímpeto que nasceu ela flor, de nome que enche as laterais da boca e deixam ressoando seu eco pra querermos mais dela; dela toda, inteira, da poesia que carrega e talha, porque é macia, transborda e, a um só tempo, exige ser dura, seca, imperturbável. E vai vivendo de fazer sons com jogos de palavras imprevistos e que são, no fim de tudo, o que melhor traduz a inefabilidade daquele tempo; um tempo só seu que, sendo assim, é também nosso tempo.

Foi assim que nasceu pra viver, na confusão nada acidental entre a lindeza que cravou na testa e o nome que povoou o Brasil tantas vezes recontado: Linn, Linda, Lina, uma criança chorando na selva de pedra que cheira a frio, que tem fome e de onde tudo abunda para as outras paragens do Brasil. Nasceu berrando e enfezada, não porque o preço do feijão fosse caro, como fez o outro, mas porque era de berro, sempre soube ela, que se fazem os bebês valentes na sua meiguice insofismável; e sempre soube também que são esses que mais tarde devem desafiar a sobrevivência, arar a terra e garantir a paz, ainda que às custas de todas as batalhas que não podem ser adiadas, seja por urgência ou por dever de ofício. Nasceu também guerreira, vejam só, porque foi e voltou, cercou distância e arremeteu, da Leste até onde o Rio é Preto e por onde nem a noite apaga o sol; sol que é seu, como sabemos todas nós: a um tempo, é hora de botar a cara!

E mais do que para saber de si que levou a voz para fora, num acorde nada abafado para rimar as agruras, os desencontros, o seio familiar secante e os ainda não traduzíveis deleites que se pode encontrar em ser que se É. 

Advirta-se: aos que achavam que a Quebrada estava nela como muros, saibam então que ela inventou as tais quebradas de que fala, canta e que talha mais uma vez, de tal forma e com tamanha poesia que poucos saberiam, como ela sabe, forjar do resto do entulho o requinte. Não diriam, pois é na sua voz que eles existem, se tornam forma, se dão concreto e se impõem.

Segue, essa Mulher-Bixa Preta, Enviadescendo o país que só pode ter futuro ao se travestir. Segue com a cara no sol, inteira, numa existência que confere dignidade a todas outras e a todos aqueles que insistem em negar. Segue teimosa com o rosto na TV da família brasileira que agora paga assinatura pra vê-la usar o banheiro e, quando não pode mais, reprisa. Coitados. Segue pra ser amada pelos filhes da tradicional família brasileira que, acreditem, ao espiá-la, perscrutá-la obcecadamente, podendo nada mais que quedar de amor diante do sorriso largo, da voz aveludada e tenacidade escancarada, renascem para uma vida melhor e, por isso, são redimidos.

Talvez isso: pra provar que, depois do Traviarcado, quem sabe melhor do Pajubá porque é íntimo dele noite sim outra também é o pai, o filho e o espírito da tradição, toda noite na Augusta e de dia, quando jura amores que não serão cumpridos pela covardia; pra provar que, apesar de toda mão branca servir, na sua sutileza habitual, tantas vezes pra trucidar no esgoto sempre à disposição e com a conivência do estado laico, quem tem Talento, meu amor, Bomba pra Caralho!

Lina é porque brilha, porque muito e porque tudo com maestria. Diante disso, nada a fazer, apenas se render à sua luz descomunal que, se não cega os que deveria, nos redimir.

Lina veio pra chamejar e, nessa saga que é sina cumprida com doce no canto e acima da boca vermelha, da voz que balança agudos e graves e estremece o dançante, do Close que se transmuta em Oração diante de nós, ela cumpre nos redimir. Lina veio porque estrela e, assim sendo, redimi todo dia o Brasil. Sorte a nossa.

Dani Balbi
Primeira Transexual Deputada Estadual do Rio de Janeiro